Transformações nos Transportes

Transformação nos Transportes

De tempos em tempos transformações profundas marcam a história. Muitas vezes chamadas de revoluções, elas são referências para futuras gerações pela relevância com que modificaram padrões existentes a décadas ou séculos. As transformações não ocorrem ao acaso e normalmente são produto de muitos ‘pequenos’ aperfeiçoamentos e evoluções que convergem num ponto da história. Elas ocorrerem em diversas áreas como cultura, religião, política, ciência, economia etc. Neste artigo abordamos as transformações tecnológicas mais relevantes e suas bases energéticas aplicadas ao setor de transporte.

A primeira revolução industrial marca o surgimento da indústria e seus processos mecanizados a partir da segunda metade do século 18. Essa transformação foi sustentada energeticamente pelo uso de combustíveis fósseis. Na área tecnológica, uma sequência de aperfeiçoamentos culminou em uma engenhosa máquina capaz de converter energia térmica em movimento: o icônico motor a vapor. Apesar da contínua evolução por décadas, o motor a vapor era muito pouco eficiente energeticamente. O combustível dos motores a vapor era o carvão, o primeiro combustível fóssil empregado pela humanidade. Com ele, locomotivas e barcos a vapor transformaram definitivamente o transporte no século 19. Em 1830, a primeira ferrovia pública foi inaugurada conectando Liverpool a Manchester, na Inglaterra. A distância de algumas dezenas de quilômetros era percorrida pela Rocket, locomotiva a vapor que alcançava máximos 48 km/h.

Uma segunda fase de transformações está relacionada ao petróleo, o segundo recurso fóssil empregado, cuja extração foi originalmente incentivada para se obter querosene, um iluminante mais barato. A indústria moderna do petróleo começou em Baku, Azerbaijão, em 1846. Nos EUA, a exploração de petróleo foi iniciada por Edwin Drake, em 1859 (SMIL, 2017). Esse novo recurso foi a base energética de uma inovação tecnológica que habilitou outras modalidades de transporte: o motor a combustão.

No início do século 20 o modelo T da Ford massificou o transporte flexível. O preço acessível do automóvel fez do transporte individual uma escolha sobre outras modalidades. Mas antes do Ford T, veículos elétricos já existiam e se tornaram populares na virada para o século 20 e, na primeira década do século 20, somavam um terço de todos os veículos nos EUA. O que poucos sabem é que Thomas Edison – famoso pela invenção da lâmpada de filamento incandescente – julgava os veículos elétricos superiores aos veículos a combustão e trabalhou no aperfeiçoamento de baterias (DOE, 2021). A história de Edison com a eletricidade é ainda mais impressionante: ele inaugura, em 1882, as primeiras centrais de geração elétrica (uma em Londres e a outra em Manhattan, Nova Iorque) e dá o pontapé para a comercialização de eletricidade como a conhecemos hoje.

Embora os primeiros passos do automóvel moderno foram dados no mundo da eletricidade, em poucos anos os veículos elétricos se tornariam memórias foscas. O motor a combustão ganhou a disputa devido a enorme oferta de derivados do petróleo. A aviação também se valeu deste combustível e ajudou o transporte com viagens mais rápidas, cruzando países e oceanos. O carvão continuou relevante em vários países por muitas décadas, sobretudo para geração de energia elétrica, mas aos poucos sua participação percentual foi substituída pelo petróleo e o gás natural; esse último o terceiro combustível fóssil que formou a base energética da economia desde o século 20. O petróleo, entretanto, se tornou o recurso preferencial devido a sua versatilidade para múltiplas aplicações, propiciando crescimento econômico mundial sem precedentes. O comércio internacional, apoiado pelo transporte intercontinental com grandes navios de carga, seguiu essa intensidade econômica. O combustível destes navios é o bunker, uma mistura de derivados pesados do petróleo.

Até o final da década de 1950, as bases do transporte moderno de passageiros e de carga estavam postas. As máquinas continuaram evoluindo e ganharam, sobretudo, eficiência energética. Porém, em 2015, os setores que mais contribuíram para emissão de CO2 (subproduto da queima dos combustíveis fósseis) foram a geração de eletricidade (e calor) e transportes com 41% e 24%, respectivamente. No mesmo ano, o setor de transportes, sozinho, demandou energeticamente quase dois terços dos produtos de petróleo (IEA, 2021).

O controle mais rígido de emissões de poluentes e a agenda de desenvolvimento sustentável nas últimas décadas renovou o interesse da indústria automotiva pelos veículos elétricos e híbridos, mais eficientes do ponto de vista energético. Faz sentido eletrificar esse setor para reduzir a demanda de petróleo e atender às regulamentações ambientais, desde que a energia para recarregar as baterias elétricas venha de fontes limpas. Atualmente, as fontes limpas mais baratas para geração elétrica em grande escala (na chamada geração centralizada) são a eólica e a solar. Em pequena escala (na geração distribuída), a tecnologia fotovoltaica é muito competitiva e versátil, tanto em pequenos sistemas residenciais como em parques solares.

Até aqui as transformações no transporte foram sustentadas pelo acesso aos estoques fósseis abundantes (carvão, petróleo e gás natural) e o setor se desenvolveu intensamente pautado no carbono com uma longa cadeia de transformação energética. Com novas tecnologias competitivas em custo e a necessidade de desenvolvimento sustentável com equilíbrio de emissões, a eletricidade limpa pode ser o próximo combustível do setor. Uma nova base energética – proveniente das fontes solar e eólica – está se formando para parte do setor, principalmente para o transporte terrestre de passageiros e de carga. Os ingredientes estão se agregando: recurso energético inesgotável e acessível, competitividade de custo e possibilidade de obtenção da energia sem intermediários. Essa transformação, já em curso, é uma evolução natural, mas pode ser vista por futuras gerações como uma revolução que findou quase dois séculos de hegemonia dos combustíveis fósseis.

Referências

DOE (Departamento de Energia dos EUA). Timeline: History of the Electric Car. Disponível em https://www.energy.gov/. Acesso em 08 de setembro de 2021.

IEA. Oil. Disponível em https://www.iea.org/. Acesso em 09 de setembro de 2021.

SMIL, Vaclav. Energy: a beginner´s guide. 2ª ed. Oneworld Publications, 2017.

Foto de Marc-Olivier Jodoin on Unsplash.

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